O produtor de leite Ricardo Skaf, 58 anos, dono da fazenda Piracanjuba, no município de Bela Vista de Goiás (GO), a cerca de 40 quilômetros de Goiânia, talvez nem fosse um fazendeiro se não tivesse contado com assistência técnica de qualidade para aprimorar a gestão de sua propriedade. O mais provável é que estivesse na cidade, atrás de um balcão vendendo sapatos, assim como fazia o seu pai. Sua história começou a mudar em 2001. “Naquela época, tínhamos uma pequena fazenda quase parada, com cerca de dez vacas”, diz Skaf. “Sabia que precisava aprender do zero, mas resolvi apostar nessas vacas porque a região é uma importante bacia leiteira.” Foi por causa da ajuda da empresa Laticínios Bela Vista, no mesmo município e que pertence aos irmãos Marcos e César Helou, que Skaf viu sua fazenda se transformar. No ano passado ele faturou R$ 1 milhão, cerca de 15% a mais que em 2014. Hoje, na propriedade de 170 hectares está um rebanho de 300 fêmeas, das quais 135 vacas em lactação lhe garantem três mil litros de leite por dia. A meta até 2015 é ordenhar diariamente seis mil litros de leite.


Fazenda experimental: na propriedade dos irmãos Marcos e César Helou, donos da marca Piracanjuba, recebe 16 produtores por semana para um treinamento gratuito

No entanto, o Laticínios Bela Vista, que no ano passado faturou R$ 2,05 bilhões e que é também protagonista dessa história, pode não desfrutar sozinho do sucesso de Skaf. O laticínio somente conseguirá comprar o leite das vacas de Skaf se disputá-lo em um mercado onde estão outras concorrentes, entre elas a Italac e a Centroleite. Isso porque a Bela Vista presta assistência ao produtor de leite sem o compromisso da contrapartida, ou seja, da entrega do produto.  O mesmo ocorre em outras companhias, como na Biosev, o braço de bionergia de cana-de-açúcar da francesa Louis Dreyfus Commodities; ou em grandes empresas frigoríficas, entre elas a JBS, com o programa Farol da Qualidade, e a Marfrig, com o Marfrig Club. Para essas companhias, o importante é a capacitação profissional dos produtores rurais, visando dispor de matéria-prima de qualidade e assim ter o que comprar. “Quanto melhor for a aplicação correta da tecnologia, mais ajudamos a aumentar a produtividade agrícola”, diz Rui Chammas, presidente da Biosev, que produz etanol e açúcar. “Temos de ensinar o produtor a ganhar dinheiro e, para isso, ele precisa se modernizar”, afirma César Helou, 55 anos, diretor de relações institucionais da Laticínios Bela Vista.


A ideia é desenvolver iniciativas para melhorar as áreas de plantio Rui chammas, presidente da Biosev

Foi em 2012 que o laticínio, dono da marca Piracanjuba, inaugurou a fazenda escola Pró-Campo, instalada na frente da fábrica em Bela Vista de Goiás.  “Com o Pró-Campo pude vislumbrar um mercado ainda mais rentável para a produção leiteira”, diz Skaf. “Antes, já havia participado de várias iniciativas de capacitação, mas que não vingaram.” Toda semana, a fazenda experimental recebe gratuitamente 16 participantes de qualquer parte do País.  Em cinco dias, de acordo com Luiz Magno de Carvalho, diretor de expansão e política leiteira da Bela Vista, coordenador do Pró-Campo, são ministradas aulas sobre técnicas de ordenha, manejo de pastagens, inseminação artificial e melhoramento genético. Hoje, a fazenda Pró-Campo é uma das referências em formação de mão de obra para pecuária leiteira. “Já formamos cerca de 3,5 mil profissionais de inseminação”, diz Carvalho.


Mais cana:
a Biosev dá treinamento anual para seus 1,3 mil fornecedores

Na Biosev, empresa que possui 11 usinas no País, faturou R$ 4,5 bilhões no ano passado e foi um dos destaques do prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL 2015, os produtores de cana-de-açúcar contam com o programa Mais Cana, criado em 2011. Através de consultoria técnica, a companhia realiza cerca de seis encontros anuais, dos quais participam os 1,3 mil fornecedores. Temas como controle de pragas, nutrição de plantas, defensivos agrícolas e mecanização fazem parte da agenda. “A ideia do programa é desenvolvermos várias iniciativas para melhorar as áreas de plantio, a renovação dos canaviais e dos viveiros de mudas para a multiplicação de novas variedades de cana”, afirma Chammas. “Uma melhor informação pode gerar mais ganhos para toda a cadeia produtiva.”

Foi no município de Colômbia, no interior do Estado de São Paulo, quase na divisa com Minas Gerais, que o agrônomo Marcos Schrank, 52 anos, dono da Estância MB, viu sua vida melhorar com a ajuda da Biosev. Schrank produz 300 hectares de cana-de-açúcar e há cinco anos deixou para trás a queima do canavial, proibida por lei, e passou para a colheita mecânica. “Foi a partir dessa época de transição que passei a precisar de ajuda”, diz Schrank. O programa de treinamento da Biosev contribuiu para a adaptação da propriedade,  para a implantação de um melhor controle pragas e doenças na lavoura e ofereceu consultoria sobre a genética melhorada de plantas. “Posso dizer que hoje, com o suporte recebido, minha produção está sob controle,” afirma o produtor. Ele colheu 95 toneladas de cana por hectare na safra passada e, nos próximos três anos, quer chegar a 120 toneladas por hectare. “O Mais Cana tem sido fundamental nesse meu plano”, afirma Schrank.


“Posso dizer que hoje, com o suporte recebido, minha produção está sob controle” Marcos Schrank,produtor de cana-de-açúcar em Colômbia (SP)

A assistência direta das empresas cobre uma lacuna deixada pelo setor público. Ele, que foi o protagonista em décadas passadas, através de seus técnicos locados em vários centros, entre eles as Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematers), não dá mais conta do recado. Embora alguns centros ainda tenham um papel importante na difusão de tecnologia, a mão de obra é escassa. São apenas 25,6 mil técnicos ligados aos governos estaduais ou à administração federal para ajudar os produtores. Isso, em um universo de 5,2 milhões de propriedades, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A conta é de um técnico para cada 213 fazendas. A pouca assistência oficial abre espaço à iniciativa privada. “Por isso, precisamos seguir em frente”, diz Carvalho, do Pró-Campo. “De um jeito ou de outro, o que não pode acontecer é deixar o produtor sem conhecimento.”